Uma visita à Biblioteca Guita e José Mindlin, na USP (Universidade de São Paulo), será uma grata surpresa para os amantes dos livros e da literatura. Em um edifício de 20.000 m2, localizado no coração da USP, a Biblioteca Guita e José Mindlin foi construída especialmente para abrigar a coleção do bibliófilo José Mindlin e, posteriormente, outras obras raras do acervo da USP. Pela grandiosidade do edifício podemos ter a dimensão do valor das obras ali guardadas mesmo sem ter acesso direto a estas (o acesso é restrito a pesquisadores).
Apesar das restrições as principais obras (as mais raras) podem ser consultadas através do site http://www.brasiliana.usp.br ou na própria biblioteca por meio de tablets, pois a principal idéia, além da conservação das obras, é sua divulgação de forma livre.
Ao entrar nas dependências já ficamos impressionados com a grandeza da construção. Uma exposição permanente mostra a vida e obra de José Mindlin e sua jornada para adquirir os livros que compõem o acervo durante mais de 80 anos em que se tornou a mais importante biblioteca particular do Brasil, sendo que em 2006 foi doada à Universidade de São Paulo.
Além da vida de Mindlin a exposição também traz muitas informações sobre as obras contidas no acervo, curiosidades, informações técnicas dos elementos que compões um livro, como é feito o restauro de obras raras e muito mais.
Quem foi José Mindlin
"O vírus do amor ao livro é incurável, e eu procuro inocular esse vírus no maior número possível de pessoas."José Mindlin
José Ephim Mindlin nasceu em São Paulo, no ano de 1914, em casa, onde todos tinham o hábito da leitura e onde a educação e a cultura eram de fundamental importância. Começou a ler por si próprio aos 6 anos e, desde então, a paixão o atingiu de maneira arrebatadora.
Começou a colecionar livros aos 13 anos de idade, em 1927, quando frequentava os sebos do centro de São Paulo.
Trabalhou no jornal O Estado de São Paulo ainda muito novo para em seguida frequentar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na qual estudou entre 1932 e 1936 e onde conheceu Guita, sua futura esposa. Mindlin atuou mais como empresário do que como advogado em sua vida profissional.
Ele e mais alguns sócios fundaram a Metal Leve, uma das mais importantes empresas brasileiras do ramo da indústria automobilística e aeronáutica do século passado. Podemos dizer que esta atividade foi fundamental para o crescimento do acervo da biblioteca, sendo que em suas viagens pelo exterior sempre aproveitava as oportunidades para garimpar raridades.
Mas Mindlin não só colecionava livros como também passou a conhecer pessoalmente alguns dos autores brasileiros mais importantes de século XX: como Carlos Drumond de Andrade, Emílio Moura e Guimarães Rosa.
Uma das curiosidades mais interessantes sobre Mindlin contadas pelo escritor e psicanalista Roberto Gambini, que conheceu e frequentou a biblioteca na casa de Mindlin, é que, quando algum livro ou autor fazia aniversário, Mindlin abria um de seus livros, colocava flores e acendia velas. Para Gambini a biblioteca de Mindlin era mais do que somente uma biblioteca, era de um templo à leitura.
Em 2006 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 26.
O vídeo abaixo mostra mais alguns detalhes sobre sua vida.
Entrevista de José Mindlin ao Itaú Cultural
A coleção Brasiliana
A coleção Brasiliana é um conjunto de obras que tratam do Brasil, tantos as escritas por brasileiros, quanto por estrangeiros, constitui uma fonte de pesquisa muito importante para o entendimento de nosso país. Ela é composta não somente por literatura, mas também por história, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários, documentos, periódicos, mapas, livros científicos e didáticos, iconografia e livros de artistas.
Ao pesquisar algumas fontes para este artigo ficou de certa forma ambiguo para mim qual teria sido o primeiro livro raro de Mindlin ou qual foi o livro que deu origem à biblioteca. Segundo o livro No mundo dos livros1 escrito por ele mesmo, a História do Brasil de Frei Vicente do Salvador e uma edição brasileira da História do Brasil do historiador inglês Robert Southey, publicado em 1862 foram os marcos iniciais, enquanto O discurso sobre a história universal de Jacques-Bénigne Bossuet, de 1740, foi a obra que o fascinou por raridades.
A biblioteca nasceu aos poucos por meio de garimpagens que Mindlin fez ao longo de mais de 80 anos, tanto em sebos e livreiros nacionais, quanto fora do Brasil, de onde veio a maior parte do acervo.
Mindlin conta também em seu livro1 que, fundamentalmente, não era um colecionador, mas, sim, um leitor voraz e suas aquisições foram ganhando o corpo de uma biblioteca de forma natural, a medida que comprava para ler.
Em uma de suas histórias sobre as garimpagens conta que no início não tinha dinheiro para comprar os livros, mas que havia uma brecha nos sebos de que se aproveitou.
Como um sebo não sabia sobre os valores dos livros de outro ele deixava em consignação um livro adquirido por um valor baixo em outro sebo em que este mesmo livro valia mais. A diferença de valor na transação ele recuperava novamente em livros e assim ia até outro sebo e deixava-os novamente em consignação e assim por diante.
Logo seu acervo começou a aumentar devido a estas trocas e sem a necessidade de colocar dinheiro algum. Com certeza suas habilidades para a negociação e a visualização de negócios o ajudaram em seus futuros empreendimentos industriais.
A coleção foi, inicialmente, guardada em sua residência, no bairro do Brooklin, onde ocupava o espaço de duas casas. São cerca de 17. 000 títulos, ou 40.000 volumes. Parte do acervo doado pertencia ao bibliófilo Rubens Borba de Moraes, cuja biblioteca foi guardada por Guita e José Mindlin desde a sua morte.
Em 2009 teve início a digitalização das obras, a fim de as tornar disponíveis ao público em geral, já que a consulta dos livros raros do acervo é restrito. Um robô que folheia e fotografa aproximadamente 2400 paginas por hora é utilizado para este trabalho, que exige um corpo técnico especializado com mais de 40 pessoas.
Saiba mais sobre a Brasiliana Digital
Alguns exemplos do que reserva a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Mas apenas falar de como uma biblioteca é importante e etc. pode deixar muito vago para os leitores o que realmente existe lá. Por isto é interessante listar alguns exemplos de obras que fazem parte da coleção Brasiliana:
- As primeiras edições de alguns viajantes que estiveram no Brasil entre os séculos XVI e XIX (incluindo as viagens de Hans Staden, Jean de Léry e André Thevet);
- Livros que se tornaram raros por se tratarem de primeiras edições, como a primeira edição de A moreninha (1844), de Joaquim Manoel de Macedo, da qual se conhecem apenas dois exemplares;
- A primeira edição de O Guarany (1857), de José de Alencar, que demorou 17 anos para ser concluída;
- Traduções feitas por grandes escritores brasileiros, como a tradução que Machado de Assis fez de Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, em 1866;
- Alguns livros raros, especialmente, por suas dedicatórias, como um dos exemplares de Tu, Só Tu, Puro Amor, também de Machado, dedicado à Joaquim Nabuco;
- Alguns manuscritos como: o original de Banguê, de José Lins do Rego, 29 cadernos-diários da Condessa do Barral e uma série de originais de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa, com anotações manuscritas, que serviram de base para a impressão das primeiras edições.
A criação da nova Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
A condição para a doação do acerto à Universidade de São Paulo foi que este ganhasse um local adequado para sua conservação e acesso por parte do público. Então em 2007 tem início a construção de sua nova morada.
A biblioteca está localizada no campus da USP Butantâ, Cidade Universitária, entre os prédios do Instituto de Geografia e Reitoria.
No edifício, além da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, estão presentes a livraria da EDUSP, um anfiteatro, locais para exposições, as instalações do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), a sede do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP - SIBi-USP e laboratórios de digitalização e restauro de livros.
O projeto foi desenvolvido pelos escritórios de Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb (neto de José Mindlin), com a assessoria da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e teve como conceito ser um espaço dedicado a conservação das obras mas que, ao mesmo tempo, pudessem ser vistos pelo público. Isto foi possvel graças a um edifício contemporâneo, com vão em que, do hall de entrada, os visitantes conseguem ver, acima de suas cabeças, os livros nos andares superiores, através de anéis de vidro.
Além disto, tomou-se como base para o projeto as mais conceituadas bibliotecas americanas, tais como a Beineke Library da Universidade de Yale, a Morgan Library, a New York Public Library e a Library of Congress, assim como a Biblioteca Nacional de Paris.
O projeto também foi pensado em ser não obstrutivo, ou seja, pode-se cruzar livremente os espaço por seus enormes vãos lives, com pé direito de varios metros, sem grades, muros ou portões.
Estar nas dependências do edifício remete-nos a uma sensação de grande liberdade, de espaço.
Brasiliana USP: Um novo espaço no coração do campus - Pesquisa FAPESP
Conclusão
Assim como Mindlin, o vírus do amor ao livro, como tão bem disse, também me arrebatou quando jovem e, realmente, ele é incurável e sei que muitos, assim como eu, também contraíram este mesmo vírus. Porém fico imaginando quantas pessoas não tiveram a oportunidade de se iniciarem nos prazeres da leitura, hábito este que abre inúmeras portas para a vida (não, não é só jogar bem futebol ou ser garoto ou garota colírio que abre portas) e, principalmente, para o auto-conhecimento.
Desta forma, eu, como editor e fundador do site Ser Melhor, ao lado da Salete Monteiro Amador, estamos lançando nosso espaço sobre livros aqui no site, trazendo resenhas, comentários, dicas e análises de autores e obras com quem nos deparamos pela longa estrada desta vida e, desta forma, esperamos que nosso amigos leitores possam, junto conosco, se aventurar pelas páginas da vida.
Material complementar
Abaixo estão alguns vídeos que trazem mais informações sobre José Mindlin e a Biblioteca Brasiliana.
Matéria da TV Cultura sobre José Mindlin
(Matéria da TV USP sobre a Inauguração da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin)
(Entrevista: Pedro Puntoni, Brasiliana USP)
(Matéria com detalhes de como opera o robô digitalizador)
(José Mindlim e a Biblioteca Brasiliana)
(Matéria da Globo News)