Assim que chega a estância, no alto dos Alpes Suíços, Hans Castorp é apresentado ao médico Dr. Krokowski que em breve conversa logo afirma "não haver encontrado um homem de perfeita saúde"
. A afirmação é pungente e não poderia ser mais adequada ao ambiente em que o protagonista de "A Montanha Mágica" acabara de adentrar, ambiente este que provavelmente o leitor de Machado de Assis, e mais especificamente aquele que leu "O Alienista", não poderia deixar passar desapercebido.
Em um lugar onde se dizia "o mês ser a mínima unidade de tempo
" a doença é tratada de maneira bizarra, quase jocosa, servindo como pretexto para tudo menos a cura. É a desculpa ideal para uma burguesia européia do início do século XX manter-se ociosa, separada dos comuns "lá de baixo
", "da planície
" já que os "daqui de cima
" possuem algo diferente, superior.
Existe também algo de kafkiano no livro. Se em Kafka (O Processo) a burocracia é a desculpa para evitar a defesa de um homem que já possui condenação previamente definida, em "A Montanha Mágica" a doença é a desculpa para o tédio que já capturou as personagens. Joachim, ao introduzir o primo Hans Castorp nos 'ritos' do lugar já da mostras do quão inevitável é o destino de quem ali está.
O tédio também pode ser visto como a mola propulsora para que os personagens possam explorar inúmeros campos de interesse, sejam eles apaixonar-se por uma russa casada, estudar fisiologia, converter-se em homem de caridade, estudar botânica, astrologia, praticar esqui, jogatina, fofoca e até mesmo a exploração de fenômenos paranormais, algo que estava na moda na época. Porém a especulação filosófica era o passatempo predileto do núcleo que gira em torno da personagem principal.
Este ócio (ou tédio) aos poucos opera mudanças significativas em Hans Castorp, mudanças que permitem com que veja a vida de forma diferente, algo que nunca conseguiria se trabalhasse como aqueles que vivem "lá embaixo
". É a idealização de uma elite similar a que compunha os pensadores da Grécia clássica que não precisavam trabalhar e por isso pensavam.
É por isso que o clássico de Thomas Mann não pode ser comparado a literatura que estamos acostumados a consumir atualmente, literatura esta focada em roteiros que ligar começo, meio e fim já são mais do que o suficiente. "A Montanha Mágica" é denso e não poderia ser resumido; é o típico livro que não importa saber o final mas sim o percurso.
Ler "A Montanha Mágica" é um pouco como estar enclausurado na estância junto com as personagens; é preciso se "aclimatar" com o livro para poder entrega-se no final.