Quando a gente cresce um pouco
É coisa de louco o que fazem com a gente:
Tem hora pra levantar, hora pra se deitar,
Pra visitar parente.
Quando se aprende a falar, se começa a estudar,
Isso não acaba nunca.
E só vai saber ler, só vai saber escrever
Quem aprender o bê-á-bá.
E além do abecedário, um grande dicionário
Vamos todos precisar.
(Toquinho)
Toquinho, na sua música Bê-á-bá, chama atenção de seu público sobre diversas situações aversivas que a criança vivencia no seu dia a dia, desde os excessos de atividades e obrigações até uma precoce inserção na realidade adulta. Tais demandas, consequentemente, podem produzir sofrimento, apreensão, insegurança e exaustão na criança.
Nos versos iniciais: "Quando a gente cresce um pouco é coisa de louco o que fazem com a gente...
" observou-se o convite a rever as representações da infância que permeiam nosso imaginário como uma fase relacionada a diversão, festa, ausência de problema, descompromisso; um verdadeiro espaço ilimitado de felicidade. No entanto, sabe-se que as crianças são, cada vez mais, exigidas a assumirem responsabilidades para além de suas capacidades e, em muitos momentos, são tratadas como mini adultos.
É possível acreditar que grande parte das exigências parentais relacionadas à imposição de diversas atividades extraescolares aos filhos estejam relacionadas às expectativas dos pais em verem estes filhos inseridos em um mercado de trabalho promissor e preparados para terem um futuro brilhante. Embora exista uma associação importante entre os altos níveis de exigência parental ao estresse e à ansiedade em crianças, vemos com bons olhos o fato dos pais se preocuparem com o futuro dos filhos, pois acreditamos que tais ações sejam legitimas para garantir o bem-estar social e profissional das crianças e adolescentes. Entretanto, chama-se atenção para uma dinâmica parental que apresenta um alto nível de exigência e cobrança por produtividade, tornando-se um solo muito fértil, que contribui, dentre outros fatores, para o desenvolvimento de ansiedade na infância.
É importante lembrar que transtornos de ansiedade são os que mais afetam crianças e adolescentes, sendo que as manifestações de ansiedade no período da infância podem ser fortes preditores de Transtornos de Ansiedade na fase adulta.
No tocante à educação de crianças, sabe-se que essa é uma tarefa complexa que passa por inúmeros processos de ajustes e adequações, gerando inúmeras inquietações tanto no segmento família, quanto na escola. Existem inúmeras dúvidas em relação às questões de construção dos limites, regras, forma de punição, valores, formas de conduta das crianças, bem como os diversos comportamentos que possibilitam as bases para o comportamento social.
É importante ressaltar que concordamos com a inserção de disciplina, limites, horários, regras e responsabilidades no cotidiano da criança. Consideramos que a construção de tal repertório é estruturante e significativa para o desenvolvimento cognitivo, intelectual e psicológico; entretanto, é pertinente que pais e educadores tenham bom senso para estabelecer um limite saudável entre exigências, demandas e tempo livre para que a criança se entregue às brincadeiras e às especificidades típicas da idade.
Partindo dessa prerrogativa, reafirmamos que crianças são seres em desenvolvimento. Estão por vir a ser, não são adultos em miniatura e têm sua própria maneira de pensar, de sentir e se comportar, devendo ser vistas dentro de uma perspectiva evolutiva. Cabe destacar que, na passagem da infância para a adolescência, as crianças, além de experimentarem diversas mudanças no âmbito físico, cognitivo, emocional e social, precisam se adaptar às situações novas e inesperadas. Assim, nesse percurso de desenvolvimento, elas experimentam diferentes níveis de estresse e desafios típicos desta fase de vida.
Desse modo, a presença de eventos estressantes na vida da criança e a interação de fatores biológicos, socioambientais e individuais têm sido associados a uma grande variedade de distúrbios físicos e psicológicos, e considerados fatores de risco que contribuem para acionar o Transtorno de Ansiedade. É relevante salientar que a ansiedade na infância representa uma preocupação social importante e de alta ocorrência. De forma simplificada, podemos visualizar a ansiedade como um "alarme" que possibilita aos indivíduos planejar suas ações. No entanto, esse "alerta" que ajuda em alguns momentos, pode chegar a paralisar o indivíduo.
A criança com ansiedade apresenta significativas mudanças no comportamento. Os pais, familiares e educadores devem ficar atentos às principais características de ansiedade em crianças, tais como: alterações de humor, dificuldades de relacionamento, evitações, inquietação, atos compulsivos e dificuldade de enfrentamento de situações como ir à escola ou afastar-se de pais e cuidadores, levando sempre em conta a intensidade, duração e a frequência que os comportamentos ocorrem.
Com base neste cenário, pode-se constatar que crianças e adolescentes, cada vez mais, são encaminhados aos consultórios de pediatria com queixas somáticas associadas à ansiedade e aos consultórios psicológicos buscando auxílio para problemas emocionais e comportamentais que podem acarretar prejuízos para a sua qualidade de vida e desenvolvimento subsequente. Neste sentido, as intervenções às famílias objetivam a construção do conhecimento sobre o transtorno, auxiliando-os a fomentar a autonomia, a competência da criança e reforçar suas conquistas.